29.1.08

 

Exercícios de Concisão

A extrema penúria, como a riqueza em demasia… ambas as condições degradam o ser humano.

Demasiado ricos… e tornam-se soberbos; demasiado pobres, tornam-se azedos, revoltados, incapazes de apreciar as coisas boas da vida.

Criticar os excessos de apropriação de riqueza não significa ser invejoso; mas apenas exprimir um senso normal de justiça, de equilíbrio e um desejo de ver surgir um princípio de solidariedade na família humana.

Entre desigualdades extremas, a solidariedade não pode vingar; mas o ódio, a raiva e o egoísmo crescerão sem limite.

Para haver harmonia social, entre-ajuda e respeito recíproco entre os cidadãos, é preciso, é imperioso combater as grandes desigualdades.

A igualdade completa é tão contrária à natureza humana quanto os enormes desníveis sociais que estamos criando. Ambas as condições impedem o desenvolvimento regular da sociedade convivencial.

O que poupamos no social, na solidariedade, na harmonia, no bem-estar geral, gastamos na segurança, no policiamento, na repressão, na agressividade, para ganharmos depois mais insegurança, mais ódio, mais vingança, mais violência, ou seja, tudo aquilo que obsta à necessidade da boa convivência.

Que sentido faz jurar pelo Evangelho, num momento, e arrecadar milhões, sem trabalho, sem esforço, sem virtude, nem saber correspondentes, num outro ?

Como se pode sair do Olimpo bancário e a seguir entrar na igreja : a que Deus se irá orar ?

Quem pode conciliar a pureza do Evangelho com a imersão na riqueza?

Quem pode servir a estes dois Amos antagónicos ?

Quem pensamos enganar, com tamanha incoerência ?



AV_Lisboa, 29-01-2009

27.1.08

 

A 1ª Esquecida Invasão Francesa



Decorre ainda, até 09 de Fevereiro, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, uma exposição subordinada ao tema dos 200 anos das Invasões Francesas.

Para lá me dirigi, há duas semanas, para uma visita rápida, no período do almoço, a ver o que me reservava a exposição, decerto não comemorativa, de um momento deveras funesto da nossa História Pátria.

Foram imensas as depredações praticadas pelo supostos arautos das ideias libertadoras da Revolução de 1789, que pretenderia estender a toda a Europa e ao resto do Mundo, se possível, os nobres princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Em Portugal, como se sabe, começaram os exércitos de Napoleão, tidos por invencíveis, a sofrer derrotas inesperadas, quebrando-se deste modo o mito da sua pretensa invencibilidade, em face de uma força luso-britânica, rapidamente forjada, com o que foi possível mobilizar das gentes lusas, coordenadas e tornadas coesas pela organização britânica, corroboradas, a bem ou a mal, pelos enérgicos regimentos ingleses, igualmente, reconheçamo-lo, largamente depredadores dos nossos escassos bens.

Contingências que costumam sobrevir a quem tem de pedir a outrem que defenda aquilo que é seu.

Destes recontros, a exposição nos dá bastante informação. Mas lá procurei e não lobriguei nada que respeitasse à primeira violação de fronteiras deste período, para alguns, infelizmente raros, historiadores portugueses designada como a 1ª invasão francesa, embora comandada pelo ministro espanhol Manuel Godoy, então ufano amante da rainha, em Madrid.

Refiro-me, evidentemente, à invasão de 1801, pela fronteira do Alentejo, perpetrada pelas tropas franco-espanholas, de que resultou a perda de Olivença, única Praça das várias, por nós mal defendidas e então caídas, que os Espanhóis perfidamente se recusaram a restituir-nos.

Apesar de estas tropas invasoras serem maioritariamente espanholas, o conluio estabelecido com a França era completo. De resto, a França, à cautela, manteve de prevenção um excército, junto à fronteira, pronto a intervir, no caso de as acções de Godoy não se saírem, do premeditado esbulho, claramente vitoriosas.

Estes comezinhos, mas significativos factos da nossa História, quase diria, adrede escondidos da esmagadora maioria do Povo Português, continuam a ser negligenciados dos nossos historiadores contemporâneos, deles bastamente conhecedores, porém, não os assinalando, nem os enquadrando no seu capítulo próprio, o das Invasões Francesas, de que eles são absolutamente parte integrante. Daí que nada disto conste da referida exposição.

A única coisa relacionada com estes factos que lá descortinei foi o livro exposto do Prof. António Pedro Vicente, intitulado, et pour cause, Guerra Peninsular, 1801-1814, recentemente publicado, sob a chancela da Academia Portuguesa da História e no qual é feita referência correcta a estes acontecimentos.

No entanto, quem não tenha lido o oportuno livro, nem seja regularmente informado nestes assuntos, não se aperceberá destas lacunas inconcebíveis da nossa historiografia, salva apenas por raros exemplos de excepção, como o do académico referido.

Note-se que na publicação que a Biblioteca elaborou para assinalar o evento, nem uma única vez aparece a palavra Olivença, nem obviamente é feita qualquer referência à disputa que o Estado Português mantém com a Espanha, desde essa data. Há, pois, aqui também, eloquentes silêncios ensurdecedores.

A explicação para esta sonegação de factos relevantes da nossa História mereceria alguma prosa especializada, que obviamente não me competirá, nem, ainda que o pretendesse, reuniria a competência bastante para dessa tarefa me desempenhar com proficiência. Só como cidadão, interessado por temas históricos da sua Pátria, deles falo aqui.

Mas não posso deixar de sublinhar este estranho silêncio sobre o importante pormenor da verdadeira 1ª invasão franco-espanhola, ocorrida em 1801, como ela deve ser classificada, e não assim a de Junot, de Novembro de 1807.

Estará este facto relacionado com a demanda de Olivença, roubada e mantida cativa por Espanha desde então, apesar de o Tratado de Viena de 1815, após a queda do célebre general corso, ter determinado a sua retrocessão a Portugal, à semelhança do que havia determinado para todos os territórios que, na Europa, sob a férula de Napoleão, haviam mudado de soberania ?

Para os inocentes que acham que estes episódios devem ser esquecidos e enterrados, sugiro-lhes que guardem esse douto conselho para os vizinhos espanhóis, a propósito da sua reivindicação de Gibraltar, perdida para a Inglaterra, em 1704, quase cem anos antes, portanto, da nossa perda de Olivença.

Acresce que a Espanha reconheceu a soberania britânica de Gibraltar, pelo tratado de Utrecht de 1713, e não dispõe de nenhuma outra decisão de qualquer instância internacional, que possa invocar, favorável à sua retomada de soberania sobre o território, no qual já se realizaram, pelo menos, dois referendos modernos, com quase 100% de votos expressos pelos gibraltinos a favor da sua integração na cidadania britânica.

Nada disto, como se sabe, tem impedido os espanhóis, e bem, acrescente-se, de reclamarem o regresso do território à sua soberania.

Por que razão os portugueses, sempre entusiasmados em copiar comportamentos alheios, não seguem, em relação a Olivença, o exemplo espanhol, com respeito a Gibraltar ?

Apesar de já ter abordado, por diversas vezes neste fórum, o tema de Olivença, a ele voltarei com certeza, com maior ou menor brevidade.

Trata-se de um caso de absoluta dignidade nacional, que está para lá de todos os modernismos, incluindo os mais intelectualmente vanguardistas.
AV_Lisboa, 27 de Janeiro de 2008

24.1.08

 

Exercícios de Concisão

Quando a realidade nos ofende e ameaça derrotar-nos, resistir é preciso.

Quando tal sucede, quando o ânimo parece ausente, quando a vontade quer soçobrar, mais importante se torna lutar, acreditando ainda com força maior na nossa razão interior.

Quem está vivo, com boa saúde, não tem razão para desistir. Quem o fizer, nestas circunstâncias, comete um crime sem perdão.

Mesmo no meio da adversidade, contra toda a iniquidade circundante, é nosso dever combater, travar o bom combate, como se usava dizer.

Quando a indignidade nos afronta, é inútil levantar montanhas de palavras, mas é imprescindível erguer muralhas de conceitos : puros, fortes, convincentes.

Quando as palavras se revelam supérfluas, maior significado assumem os nossos actos, mais alto eles falam pela sobriedade dos valores exibidos.


Eis uma prática que, de ora em diante, irei aqui ensaiar, para cortar a tentação da prolixidade, mesmo quando esta se expressa por boas causas.

AV_24 de Janeiro de 2008

19.1.08

 

A Credibilidade Política


Em dois artigos, nos dois primeiros domingos de Janeiro de 2008, António Barreto desfez o que restava da credibilidade política de José Sócrates.

Deve-se este feito, mais do que à contundência do articulista de peso, que Barreto é, à sua credibilidade de analista político. Barreto tem-na ganho, desde que, em boa hora, abandonou o círculo eticamente vicioso da família dita socialista.

Desde então, Barreto tem solidificado um prestígio merecido de comentador político, de rara credibilidade, coisa de que poucos hoje ainda se podem orgulhar.

Da sua estirpe, só vislumbro mais dois ou três : Vasco Pulido Valente, Miguel Sousa Tavares e Baptista-Bastos. Independentemente das críticas que cada um deles, por motivos próprios, me mereçam, tenho de reconhecer a regular frontalidade com que abordam assuntos e atacam políticas que lhes parecem erradas, praticadas por personagens que lhes suscitam particular aversão, pela incompetência, pela inconsistência na argumentação com que defendem essas políticas e, amiúde até, pela desonestidade intelectual e ética com que actuam.

VPV também já de há bastante tempo se ocupa da crítica acerba a Sócrates, mas dado o seu feitio, a sua imprevisibilidade, a sua frequente incoerência, não logra, por isso, assentimento tão generalizado, como Barreto, que acaba por cobrir a quase totalidade do espectro político, da extrema-Esquerda à Direita-extrema.

Baptista-Bastos, passe a sua fidelidade a um certo velho esquema herdado do anti-fascismo militante, muitíssimo equívoco, como sabemos, por nele se terem acoitado verdadeiros inimigos da liberdade, por que diziam lutar antes do 25 de Abril, ao mesmo tempo que chamavam democracia e paraíso dos trabalhadores aos regimes opressivos do Leste europeu, da China e de Cuba e de todos os lados em que os Comunistas implantaram a sua doutrina política.

Tirante esse importante ponto, no mais, BB tem jus ao respeito que se deve a quem expõe pontos de vista e modos de pensar, sem ambiguidade, com coragem e determinação, sujeitando-se ao contraditório, mas sempre exprimindo claramente o seu pensamento, sem rodeios nem falsidades.

De outros, já nem vale a pena falar, porque ou estão demasiado vinculados a estratégias de Poder ou gravitam em órbitas preferenciais ou optaram por servir o chamado bloco central, pólo de Poder que ameaça dominar e asfixiar o País inteiro.

A base da credibilidade de Barreto revela-se na independência com que emite as suas opiniões, sem curar de as ajustar à cor política do Governo do momento, facto que deveria ser de regra, absolutamente trivial, torna-se, entre nós, já de enorme raridade. E quando os melhores se deixam corromper, tudo o mais é admissível e o pior se pode esperar.

Com Guterres, também sucedeu idêntico fenómeno. A Comunicação Social só deu pela fraude política que Guterres representava, depois de este ter fugido das responsabilidades do seu cargo, aproveitando até um pretexto despropositado para o efeito. Até aí, a sua verborreia encantatória maravilhava toda a Comunicação Social.

Neste momento, porém, o panorama da crítica política em Portugal começa a enegrecer, por deserção de muita gente, que deveria ainda calçar botas e já anda de pantufas, debitando banalidades, tornando-se inócua, apenas servindo para o simulacro de debate social que se encena.

Entretanto, surgem alguns comentadores, mais jovens, que pegam nos temas, mais pelo lado humorístico, que também pode ser corrosivo, mas o facto de terem uma permanente preocupação com o tom humorístico dos textos, querendo sempre fazer piada, produzir hilaridade forçada, limita e dilui o carácter eventualmente corrosivo das suas pretendidas intervenções.

Certos temas de enorme actualidade servem para aferir da isenção e da combatividade dos nossos comentadores políticos : o caso do imbróglio do BCP, a ingerência do Partido do Governo na dita solução administrativa para o BCP, o caso das disparidades salariais em Portugal e outros menores com estes relacionados.

A recente chamada de atenção do Presidente da República, na sua mensagem de Ano Novo, para o exagero dos salários dos Gestores de Empresas em Portugal não despertou o debate que se esperaria de tão momentoso tema.

Parece não carecer de demonstração a asserção de que o desnível salarial atingiu já foros de verdadeiro escândalo, que nenhuma teoria económica ou de gestão pode justificar.

Podem aduzir-se para a discussão muitos gráficos e tabelas comparativas, entre profissões, funções desempenhadas, etc., em agrupamentos vários : por ramos de actividade, por resultados de exercício das empresas, etc., etc.

De qualquer ângulo sob que se analise o tema, ressalta como uma terrível evidência a desproporção dos proventos percebidos, não por razões de produtividade ou de desempenho individual, que só por excepção se verificará, mas por pura razão de pertença a um pequeno grupo, que funciona como restrito clube de Administradores ou Gestores de Empresas, quase todas saídas do bojo do Estado, há mais ou menos anos.

Para tão selecto clube entraram certos felizardos, na sua maioria, fundamentalmente, por um qualquer regime de favorecimento ou compadrio activo, engendrado por amizades, conhecimentos pessoais directos ou interpostos, afinidades de circunstância, troca de favores ou, cada vez menos, por identificação política, hoje remota, vagamente ideológica, antes de raiz partidária, entendida esta suposta identificação como mero expediente de prestação de favores, profícuo agenciador de empregos, de sinecuras e demais prebendas.

Espanta ver pessoas ditas socialistas ou social-democratas, de tal forma congraçadas com esta realidade denunciada no discurso do Presidente, que até chegaram ao ponto de o acusar de prática de demagogia.

Tal comportamento confirma a profunda corrupção operada nas mentes de esta gente tão insuportavelmente presunçosa, que nem sequer se inibe de censurar quem, timidamente e com atraso, acabou por verberar a assimetria social assim gerada e que não tem cessado de se agravar.

Dirão alguns que se trata do efeito do Mercado, que assim ditou tal assimetria, quando sabemos que, pelo menos em Portugal, muitos dos imaginados gurus da gestão actuam fora do Mercado, apesar dele e a coberto dele, beneficiando de uma vasta rede de contactos, de amizades e de influências, que lhes proporcionam o acesso a carreiras deslumbrantes, equivalentes ou até mais vantajosas que muitas similares no estrangeiro.

Desde os que só conheceram as maravilhas da Gestão, após passagem pelo Governo ou pela Política, em geral, aos que iniciam carreiras pelo topo, ultrapassando profissionais que, com honestidade e competência, consomem os dias da sua vida, sem nunca atingirem posições de relevo nas Empresas ou no Estado, toda esta realidade é bem conhecida da maioria dos cidadãos.

O Mercado tem costas largas e convém atribuir-lhe toda a responsabilidade dos desníveis salariais, mas que dizer de grupos que estipulam, a seu bel-prazer, quanto devem receber por mês e quanto lhes deve caber na repartição anual de lucros obtidos com o esforço de todos, mas distribuídos com total discricionaridade, privilegiando sempre quem exerce a função de repartição dos proventos ?

A competência profissional é algo que deve ser reconhecido e premiado, assim como se deve recompensar quem excede as expectativas, desenvolve mais trabalho, quem demonstra mais iniciativa e se revela capaz de inovar métodos de trabalho na sua esfera de competência.

Porém, isto nada tem que ver com a realidade dos desníveis salariais em Portugal. Trata-se de um fenómeno recente, com cerca de vinte e poucos anos, de que muita gente se alheou ou de que se inibiu de falar, por receio de conotação política inconveniente, comunista, por regra.

É tempo de repudiar esta inibição e denunciar um escândalo que surdamente se foi ampliando na sociedade portuguesa, com a complacência, mais uma vez, dos Partidos moderados, do chamado bloco central, cujos dirigentes têm, em grande medida, dele beneficiado e, por isso mesmo, tanto o têm tolerado e naturalmente nele consentindo.

Dada a importância e oportunidade do assunto, é justo que sobre ele se multipliquem as intervenções de todos os que mantêm uma reserva de consciência ética, vinda lá do fundo da nossa condição humana, com ou sem fundamentação religiosa.

AV_Lisboa, 19 de Janeiro de 2008

5.1.08

 

Breve Balanço do Ano Político Português de 2007

Como parece inevitável, no início de 2008, farei, também eu, um pequeno balanço apreciativo ao ano que acabou de findar, essencialmente, desta feita, do ponto de vista político.

A pretensão da imparcialidade não me criará, espero, embaraços. Escrevo habitualmente aquilo que penso, com o objectivo de não faltar à verdade dos factos, sabendo que a sua interpretação pode divergir consoante o observador, de acordo com a sua sensibilidade, as suas preferências, a sua formação, as suas inquietações ou as suas expectativas sobre a realidade observada.

Procuro agir, porém, sempre com a preocupação de respeitar os factos sob apreciação, sem os distorcer, para os pôr de harmonia com a minha particular forma de sentir. Reputo este critério como compromisso inviolável, para quem visar a credibilidade dos leitores, de qualquer leitor, mesmo se imaginário.

Outra preocupação que mantenho é a de não cair num pessimismo exacerbado, mórbido, negativista em absoluto, que leva à descrença e, consequentemente, à inacção, daquele que escreve e, porventura também, de quem o lê.

Mas é preciso igual prevenção com o reverso desta atitude, para não se passar ao optimismo bacoco, sem nenhum suporte na realidade circundante. Por isso, devemos ser realistas, mesmo quando nos sentimos animados de algum ideal, dentro daquele equilíbrio difícil de atingir, mas que convém ter sempre visado.

No plano político, o ano de 2007, para os Portugueses, traduziu-se por nova decepção. Depois do desencanto com Guterres, Barroso e Santana, seguiu-se o mesmo tipo de sentimento com Sócrates, isto, para não alargar a janela temporal de apreciação.

De aqueles três primeiros actores e até de Cavaco Silva governante, já disse bastante em anteriores escritos, não cabendo aqui repetir julgamentos, excepto se convocados por oportuna comparação.

De Sócrates, tenho dito menos, como, de um modo geral, tem sucedido com a generalidade da crítica, da notável e da menos conhecida, ambas de inclinação tradicionalmente esquerdizante, sempre mais mobilizáveis quando os alvos são, supostamente, de Direita ou de Centro-Direita, como tem sido de regra nos últimos três decénios.

Presumo que comece, finalmente, a suceder de forma diferente, à medida que se vão conhecendo as práticas, mais do que as promessas, dos representantes da Esquerda no Poder, nomeadamente, da dita esquerda socialista.

Os portugueses que conservam ainda algum interesse pela Política têm já como referência da prática governativa socialista três estilos, servidos por três actores diversos : Mário Soares, António Guterres e José Sócrates.

De Soares, o conhecimento é maior, pela sua longa permanência no Poder, como simples Ministro, como Primeiro-Ministro, como Presidente da República, nos dez anos dos seus dois sucessivos mandatos e, como Deputado Europeu, de experiência algo frustrada, diga-se, visto lhe ter fugido o ambicionado lugar de Presidente do Parlamento Europeu, que uma afanosa corte de incondicionais lhe teria garantido de fácil acesso e de que a sua desvanecida vaidade o terá rapidamente convencido.

Este facto acabou por não ocorrer, como se sabe, por um daqueles acasos em que o Destino é fértil, quando quer desfeitear qualquer soberba insofrida. Em seu lugar, os Deputados do PE elegeram uma senhora, espécie de «Dona de Casa», no dizer pitoresco de Soares, altamente revelador do conceito em que tem a Mulher, apesar das suas declarações altissonantes, como as do seu Partido, em favor da libertação e da dignificação da Mulher.

A senhora eleita para aquele lugar tinha até uma longa e notória carreira política, larga formação universitária também, mas nada disso impressionou o nosso progressista ex-Presidente.

E ainda que a senhora fosse apenas aquilo que ele lhe chamou, se acaso tivesse vocação e capacidade política reconhecidas, de modo nenhum se justificaria aquele tipo de comentário descortês, feito após derrota sofrida na eleição, o que desde logo poderia ser interpretado como resmoneio de mau perdedor, que, na verdade, foi.

No entanto, estas considerações, que se impõem como de banal evidência a qualquer observador, ideologicamente não enfeudado, foram raras em Portugal e nunca mais repetidas ou lembradas, como acontece com muitos outros episódios algo deslustrantes para os seus respectivos autores, constantemente evocados e glosados até à náusea.

Por aqui se pode, pois, aferir a isenção dos nossos comentadores políticos, jornalistas e demais intervenientes na já suficientemente multi-facetada Comunicação Social, apesar disso, estranha e persistentemente vesga, no seu modo de avaliar comportamentos políticos.

Hoje ainda, Soares insiste em ocupar o centro da ribalta política, mesmo depois daquela sua insensata pretensão de nova candidatura à Presidência, que redundou em humilhante fiasco, classificado em desonroso terceiro lugar, atrás do seu ex-amigo dilecto Manuel Alegre, sem o apoio do Partido Socialista, na altura votado a Soares, por opção, quiçá maquiavélica, do líder do Partido, José Sócrates.

Claro que esta insistência de Soares pela permanência na ribalta política só se sustenta a partir da imensa corte de amizades comprometidas que ele foi erigindo ao longo da sua extensa carreira política.

Vimo-lo assim em desabrida guerra contra o neo-liberalismo de Bush, Blair, Aznar e Barroso, mas calado em relação a Sócrates, que faz o mesmo ou pior que aquilo que Soares critica nos outros líderes internacionais.

Também nada disto parece impressionar os nossos sensíveis e argutos jornalistas e comentadores políticos, que lhe continuam a dispensar uma interminável indulgência crítica, difícil de entender, fora da corrente de favores que Soares à sua roda sempre soube tecer e melhor gerir.

António Guterres, apesar da sua proverbial generosidade para com amigos políticos, provendo-os em altos e pingues cargos, na Administração Pública e Institutos Associados, nas Empresas comparticipadas pelo Estado e demais Instituições equiparadas, como o Banco de Portugal, a CGD e muitas outras de idêntico estatuto em mordomias, apesar disso tudo, já não despertou tanta complacência da Comunicação Social, como a sempre concedida a Soares.

Ainda assim, continua sem paralelo a benignidade com que o avaliam, comparada com a forma como trataram os dois Primeiros-Ministros do PSD, espécie de hidra diabólica, que se lhe seguiram.

Com o surgimento de Sócrates, à frente do Governo, em 2005, assistiu-se a um coro de boas vontades, de benefícios de dúvida, de compreensão, ostensivamente proclamado pela generalidade da Comunicação Social.

Quase todos lhe gabavam a coragem, a determinação na luta pelas necessárias reformas do Estado, pelo equilíbrio orçamental, novamente erigido em sacro-santo desígnio nacional, nem que para isso haja de se colocar os cidadãos a pão e água, sem Assistência médica e hospitalar adequadas, sem serviços ou apoios sociais, do mesmo passo que, com tais políticas restritivas, se os põem a empobrecer continuamente, com salários estagnados ou aumentados abaixo das taxas de inflação reais, sempre superiores, como se verifica, às teóricas decretadas pelo Governo para servirem de referência oficial, invariavelmente lesiva do poder de compra daqueles, sempre em degradação continuada.

Em 2005 e 2006, este conúbio da Comunicação Social com Sócrates foi quase perfeito, mesmo contra as evidências dos desacertos, dos erros e das arbitrariedades cometidas pelo Governo.

Mas, desgraçadamente, nada de significativo, no País, melhorou, ainda menos, se cotejado com os sacrifícios impostos, anunciados como de absoluta necessidade, para a regeneração da depauperada Economia Nacional.

Os abusos governativos foram progressivamente subindo de tom, a coberto da tal compreensão, com algumas excepções, reconheça-se, vindas de sectores conotados com o PCP, como a CGT, Central Sindical, de marcada influência comunista, pese certo esforço, reconheça-se também, desenvolvido de há uns anos para cá, pelo seu Coordenador Geral, o combativo Carvalho da Silva, recente Doutor, para sua glória e final aceitação, num país que reverencia, por extremo, títulos académicos e demais distinções oficiais, mesmo se alcançados por caminhos menos ortodoxos.

Se muito do que estas entidades, PCP e CGT, têm feito no plano político se pode considerar negativo e de forte crítica merecida, a verdade é que, no combate às ilusões apregoadas por Sócrates e na defesa dos mais fracos, não aparecem outras entidades consequentemente empenhadas, por tibieza, por incapacidade política ou por pura deserção ideológica ou doutrinal.

Na verdade, que dizer das pífias actuações de Partidos que ostentam nas suas bandeiras a identificação com o Socialismo ou com a Social-Democracia, perante tantas agressões aos direitos dos trabalhadores, dos consumidores e dos cidadãos, no seu conjunto ?

Quem há-de, então, defender os mais fracos, os menos dotados, os menos capacitados de poder negocial ante o Estado e o Poder Patronal, entidades estas, amiúde prepotentes, insensíveis à miséria, às carências de toda a ordem, com forte tendência para abusarem da situação debilitada em que os cidadãos se encontram, se os Partidos moderados se desinteressam destes problemas, parecendo apenas importar-se com os altos desígnios da Macro-Economia do País, não obstante com resultados tão pouco brilhantes ou sequer animadores ?

Eis algo que deveria merecer cuidada atenção das pessoas presumivelmente mais bem formadas, existentes em todos os Partidos e Associações Cívicas, para obstar à contínua degradação do nosso tecido social, para que se possa reverter o desalento generalizado no País, a descrença e mesmo alguma repulsa já pela Política, democrática ela se defina, nos documentos oficiais do regime, dotado de elogiosa Constituição, porém, destituída de aplicação, na vida real dos cidadãos.

No ano de 2007, contudo, o Governo de Sócrates terá iniciado finalmente o seu confronto com a realidade e encontrado da parte da, até aqui, complacente Comunicação Social as primeiras manifestações de crítica e certa contestação das suas acções.

Foi também no começo de 2007 que rebentou o caso da Licenciatura de Sócrates, processo algo rocambolesco, de enorme fragilidade legal e política, de larga inverosimilhança em todas as explicações avançadas pelo próprio ou pela Comunicação Social sua cooperante, solicitamente compreensiva.

Desde esse momento, a forma como a população passou a encarar a figura do Primeiro-Ministro alterou-se significativamente.

Algumas reacções de pura intimidação, da parte de certos zelotes da Administração Pública confirmaram, a impressão de fragilidade da figura do Primeiro-Ministro e foi notório o seu acabrunhamento subsequente.

Não fora a oportuna ribalta da Presidência da UE, com os seus enaltecidos Protocolos e Tratados, as suas reluzentes e festivas Cimeiras, e Sócrates teria passado um período de agitação política e social um pedaço pior o resto do ano, agitação que, mesmo assim, se fez sentir e ouvir, como não ocorrera nos dois anos anteriores.

Em qualquer sector estruturante do nosso desenvolvimento nada de particularmente animador se registou.

Na Educação, continuámos com a degradação curricular, aumentámos até a tolerância à incorrecção comportamental dos alunos, bem como a indulgência das avaliações ou aferições periódicas de aprendizagem de conteúdos, perífrase moderna que substituiu o nefando termo exame, cada vez menos ouvido.

A Ministra da Educação compraz-se com estatísticas ilusórias de alegadas melhorias de aproveitamento escolar, forjadas para esse fim, ao mesmo tempo que promove a fraude do chamado Programa das Novas Oportunidades, para quem queira adquirir o diploma do 12º ano de Escolaridade, sem grande esforço.

Nunca foi tão deprimente o nível do nosso Ensino Primário e Secundário e, em breve, também assim acontecerá com o Superior, no qual já largas franjas perderam credibilidade, como se comprovou com a superlativa fraude da Universidade Independente, elucidativo nome, se entendido na sua divorciada relação com o conhecimento que ali se deveria ministrar.
Deixo para outra altura a crítica à intenção do Ministério da Educação de erradicar nomes de Santos das instituições sob sua tutela. Depois da ridícula sanha persecutória contra os crucifixos, terá chegado a vez de investir contra os nomes dos Santos. Eis como este Governo, para gozo dos cínicos, pretenderá assinar a sua discutida filiação jacobina.

Na Saúde, a trapalhada é geral, com a enxurrada de encerramentos de unidades hospitalares e centros de atendimento, a supressão de serviços, a restrição de medicamentos comparticipados e o concomitante agravamento das contribuições dos cidadãos.

O Governo abandona crescentemente as populações do interior e da raia, mandando a estas últimas ir nascer a Espanha; não tardará que se lembre de idêntica solução para a operação inversa.
No Ministério dos Transportes e Obras Públicas, o controverso Ministro insiste nas contradições das suas defendidas opções da localização do novo aeroporto de Lisboa, que seria inequivocamente na Ota, como agora já poderá ser no local de são nunca, como histrionicamente assegurou, em súbita utilização da língua francesa, para presumível desgosto dos seus pares rendidos ao idioma inglês, em versão americana.

A Agricultura e as Pescas prosseguiram a sua decadência, sem sobressaltos apercebidos.

A Justiça indolente, mas insuportavelmente onerosa para os cidadãos sem grandes recursos, permaneceu na sua rotina de mau funcionamento, desprestigiando-se cada vez mais aos olhos de toda a gente.

A Economia continua a passar sem crescimento industrial, concentrando-se em actividades do Terciário, com forte dependência do turismo externo e apostando também na cooperação da Banca para financiar crédito dirigido quase só para o consumo, o que nalguns sectores pode criar certa reanimação, ainda que efémera, o suficiente, todavia, para activar a propaganda oficial.

Na Cultura, poucos entendem os objectivos do Ministério e menos ainda os caprichos da Ministra, cuja política surge agora muito contestada pelos diversos agentes culturais do País, ainda que este não seja sinal seguro de razão invocada, em vista das pretensões muitas vezes irrealistas dos tais agentes, convertidos em parceiros institucionais.

Na Defesa, faltam já efectivos para as responsabilidades assumidas, depois de se ter levianamente acabado com o Serviço Militar de recrutamento geral e obrigatório, grassa também forte contestação pelos cortes nas regalias dos militares, que não gostam de ser tratados como meros funcionários, de utilidade duvidosa, facilmente dispensáveis ou convocados à pressa, em caso de súbita ameaça externa, supostamente de natureza terrorista ou outra situação de aperto semelhante, dado que, como se propala, deixou de existir o tradicional inimigo externo.

Na área dos Negócios Estrangeiros, alinha-se pelas directrizes da UE, quando elas existem ou, na sua falta, pelas da OTAN, orientação que até nem seria demasiado criticável, se estas instituições, por seu turno, estivessem sob comando competente e esclarecido.

Basta pensar nas figuras mais altas dos comandos destas instâncias – Bush/EUA e Barroso/UE – para ficarmos, de imediato, arrepiados.

Acresce que a tudo isto, a findar o Ano, foram os Portugueses surpreendidos com peripécias indecorosas no seio do BCP, pela promiscuidade envolvida com instituições sob tutela do Governo, que só se imaginam como possíveis, a partir de directa ou indirecta instigação e direcção do próprio Governo, que, sem pudor, simula distanciamento.

Aqui o caso é de gravidade extrema, porque se trata da quebra de um mito, o da independência da iniciativa privada, por oposição à da execrável influência estatatal, símbolo de nocividade garantida, na esfera empresarial e sempre por aquela assim classificada.

Como foi possível que homens ditos de grande competência técnica e enorme robustez moral, alicerçada e provada nos exigentes critérios da Opus Dei, acabassem mergulhados em escândalos sucessivos, com largos milhões de euros de impostos subtraídos ao Estado, por recurso à intervenção de empresas-fantasma implantadas em paraísos fiscais, créditos elevadíssimos concedidos para especulações financeiras, empréstimos fraudulentos a familiares e amigos, para repetidos negócios sem qualquer viabilidade e múltiplos jogos bolsistas, tudo isto praticado debaixo do nariz de entidades fiscalizadoras, por Instituição com sizudo aspecto de austeridade, geralmente cercada de encómios, com excelentes relações com os diversos Governos ?

Como deveremos entender este inesperado entendimento de supostamente reputados gestores e importantes accionistas da Banca, que, teoricamente, abominam intervenções do Estado nas suas Empresas, a fortiori, nos seus negócios financeiros, com representantes do Poder Político em exercício, vulgo, Governo ?

Quem acredita na apregoada alta competência financeira da equipa oriunda da CGD apresentada por um suspeito coro mediático quase como vencedora antecipada da eleição a realizar na próxima AG do BCP ?

Que se esconde por detrás desta rendição dos Banqueiros ante os representantes do Poder Político do momento?

Estaremos em condições de avaliar o estrago que este escândalo terá produzido na credibilidade da iniciativa privada em Portugal, uma vez que a do Poder Político já pouco teria a perder?

Que terá agora de acontecer para se reparar tão profundo dano?

Terá a reacção tardia, mas ainda assim honrosa, de Miguel Cadilhe alguma hipótese de evitar a promiscuidade adrede engendrada?

Porque não actuaram com antecedência as entidades específicas fiscalizadoras da actividade bancária e financeira, designadamente o Banco de Portugal e a CMVM ?

Como justificam estas entidades supostamente fiscalizadoras a sua onerosa existência ao Povo Português ?

Qual o real papel do Governo e do Partido Socialista em todo este imbróglio ?

Em quem deveremos confiar ?

Que achará disto tudo o Presidente da República ?

Demasiadas e graves interrogações se levantam aqui ?

Quem poderá responder ?

Como recuperar o optimismo com tão deletérios acontecimentos ?

Melhor seria ter continuado com o tema do Acordo Ortográfico.

Entretanto, que cada um cultive o seu próprio jardim, em busca da felicidade possível, agora que até já há quem a qualifique de paradoxal.

Desejo, ainda assim, aos eventuais, pacientes, leitores deste breve balanço político de 2007, um Novo Ano tão propício quanto o permitam as adversas circunstâncias que nos rodeiam, sendo certo que, para a realidade melhorar, alguém terá de se empenhar na mudança.

Que cada qual faça, então, a sua pequena parte, na esfera da sua competência, é o desejo que ouso aqui de novo formular, correndo embora o risco de me repetir.

Ânimo para 2008 !

AV_Lisboa, 05 de Janeiro de 2008

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